sexta-feira, 15 de abril de 2011

Parte 2 – Da medicina antiga: Paracelso. Enxofre, mercúrio e sal

Como alquimista, Paracelso teve a necessidade de dividir os corpos em partes menores e categorizá-las. Em relação aos órgãos do corpo humano, por exemplo, ele os associou diretamente com os doze signos do zodíaco e, como já vimos na Parte 1, também com os planetas.
Mas Paracelso chegou ao nível substancial, onde desenvolveu sua teoria sobre a composição dos corpos. Para ele os corpos vivos são formados por três substâncias básicas: o enxofre, o mercúrio e o sal. A união entre essas três substâncias é primordial para a manutenção da vida, assim como o descompasso entre elas virá a causar a doença.
Neste ponto, cabe inserir um esclarecimento no que diz respeito à terminologia usada pelo alquimista. A ciência moderna assegura que o corpo humano é constituído basicamente por carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio, há, no entanto, uma presença mínima de enxofre na composição de aminoácidos, bem como uma quantidade de sais na ordem de 4%. Já o mercúrio é considerado um metal tóxico, bem como são tóxicos muitos compostos que contêm esse elemento. Portanto, quando Paracelso diz que o corpo é formado de enxofre, mercúrio e sal, ele se refere não às substancias como são conhecidas atualmente, mas às suas características concebidas no meio alquímico. O enxofre é visto como o princípio do calor, da ignição, da atividade, o elemento masculino, de cor amarela, e, portanto, solar. Já o mercúrio é o elemento fluido, líquido, passivo, o elemento feminino, prateado e, portanto, lunar. O sal, por sua vez, se refere ao princípio do elemento terra, não somente aos sais minerais, mas a toda matéria orgânica, e seria uma base neutra em relação aos polos enxofre/mercúrio . Dessa forma, em resumo, e de maneira mais compreensível, Paracelso afirma que o corpo vivo é formado pela associação do calor, dos fluidos e da matéria orgânica sólida. Mantenhamos, portanto, os termos usados originalmente.
Representação do equilíbrio entres as
polaridades do enxofre e do mercúrio
A manutenção da vida e a integridade do corpo dependem, necessariamente, da associação completa e equilibrada do enxofre, do mercúrio e do sal. O alquimista nos fornece o exemplo de um desequilíbrio provocado entre os componentes: uma tora de madeira que é lançada ao fogo. Nesse caso, o enxofre se sobrepõe é o elemento que arde, o mercúrio evapora e se dissipa, restando apenas o sal, isto é, o carvão sem vida. É, portanto, esse trio de compostos que guarda a saúde ou a doença, dependendo de seu equilíbrio ou desajuste. Quando unidos, os elementos se mantêm neutralizados e apenas se revelam quando se dá sua separação.
Paracelso, no entanto, alerta para as interpretações errôneas das doenças e dá o exemplo de um corpo que foi invadido e que arde em febre, a urina se avermelha a boca fica ressecada, o que poderia ser um sinal da superexcitação do enxofre causando a sublimação do mercúrio. Mas esses são sintomas (apenas sintomas) da presença de pedras nos rins, e a cura não está em nenhum medicamento, mas na faca. Uma vez removida a pedra, o corpo se restabelece, pois não houve um causador astral, e esse é o motivo de o equilíbrio não ter sido afetado. Faz-se, portanto, uma distinção entre doença e enfermidade, pois a primeira se dá na perturbação do equilíbrio corporal, e a última é causada por um fator externo, uma invasão.
A doença tem causas intrínsecas no corpo e seus efeitos são mais notáveis. Quando, por exemplo, o calor se eleva de forma irregular (segundo Paracelso, há três formas de o calor se elevar: 1. Por virtude digestiva; 2. Pelo movimento do corpo; 3. Pela influência astral. E podemos supor que esta última é a que deve encadear reações mais graves.). Tal calor agita o mercúrio, da mesma forma que a água é agitada pelo fogo, os fluidos aquecidos devem causar ao doente a sensação de ardor pelo corpo, a perda da razão, a secura da boca e a abertura das veias. O mercúrio inquieto exala pelos poros e pelas áreas mais fracas da pele, abrindo úlceras. Há, no caso da doença, um descompasso de todo o sistema. O enxofre também seria responsável por destilar o mercúrio, isto é, fazê-lo acumular de forma heterogênea, causando gota, inflamação nas articulações, artrite e artrose.
Em relação ao sal, além do fator astral, seu desequilíbrio é causado pelo consumo abundante de carne e de gordura, obrigando o corpo a expeli-lo pelo suor (aí o autor expõe o motivo pelo qual o suor é salgado). Esse distúrbio deverá produzir manchas na pele, coceiras, rachaduras, erupções cutâneas com formação de crostas entre outras afecções que se evidenciam pela pele, como calvície, sífilis, lepra e hanseníase.
 Uma vez identificada a origem da doença, Paracelso aconselha que seu tratamento seja feito por homeopatia, isto é, pelo princípio de que semelhante cura semelhante. Portanto, para doenças do enxofre, deve-se administrar enxofre; para doenças do mercúrio, administra-se mercúrio; e para doenças do sal, administra-se o sal. De forma que a tentativa de se curar o calor pelo frio e o frio pelo calor não deverá trazer benefício ao paciente.
 Baseando-se nesse princípio, se dava a produção dos medicamenta. No livro Archidoxis, Paracelso explica que tais medicamentos são produzidos basicamente com substâncias que ele chama de quintessência. Tais substâncias eram extraídas de metais, rochas, pedras preciosas, sais, plantas, temperos, alimetos, entre outros. Para ele, a quintessência guardava todo o poder e as virtudes medicinais de determinado material.
 Não cabe aqui descrever todos os processos de extração e produção de quintessâncias, bálsamos e elixires presentes no Archidoxis por dois motivos. O primeiro deles é a sua inviabilidade, uma vez que os procedimentos relatados duram meses até sua conclusão e requerem o uso de materiais específicos, como destiladores. Além disso, muitas receitas listam ingredientes poucos acessíveis ou incomuns para tal finalidade, como, por exemplo, metais preciosos, pérolas ou esterco de cavalo e de vaca.
 O segundo motivo é que o enfoque deve ser dado nas teorias desenvolvidas por Paracelso, que se baseiam na associação ou correspondência mágica. Essa é, portanto, a ideia fundamental sobre a qual se baseiam as receitas de poções, sejam elas antigas ou mais atuais, independentemente do seu grau de complexidade ou dificuldade.
Contudo, a título de curiosidade, vejamos como extrair a quintessência dos sais, cujo método é, dentre todos, o mais simples: primeiramente os sais devem ser aquecidos a fim de eliminar a umidade, depois deve ser dissolvido na água. Essa água deve ficar parada por um mês num processo de putrefação. Após esse período, o líquido deve ser destilado. O material que sobrou do processo de destilação deve ser deixado em fermentação por mais um mês e depois destilado mais algumas vezes, obtendo-se a quintessência do sal.





Bibliografia:
PARACELSO, Livro dos paradoxos. In: A chave da alquimia. São Paulo: Editora Três, 1973.
___________, Archidoxis comprised in ten books. London: J. H. Oxon, 1660.

Parte 1 - Da medicina antiga: Paracelso

Esta é a primeira postagem do blog ‘Poções Mágicas – por Salix’. A primeira de uma série que discorrerá sobre o tema ‘poções mágicas’ em seu sentido mais amplo, passando por suas facetas mágica, alquímica e medicinal, expondo suas teorias iniciais e descobrindo as estruturas que existem por trás dessa arte. Este é um blog que crescerá aos poucos, mas com a segurança de que está sendo feita uma pesquisa verdadeira sobre o assunto. A intenção é a de que, no final desse caminho, o conjunto das informações aqui postadas possa fornecer uma fonte clara, confiável e abrangente.
Comecemos, pois.


A palavra ‘poção’ deriva do termo latino ‘potio’, que remete, por sua vez, ao ato de beber, embora, atualmente, quando falamos de poção, não estamos necessariamente nos referindo a um líquido potável. A atual literatura especializada tem usado o mesmo termo para abarcar as noções de óleos, essências, unguentos etc., desassociando a palavra ‘poção’ de sua origem etimológica. Essa é, portanto, uma questão puramente de nomenclatura e que não deve acarretar nenhum problema prático, uma vez que tomemos a definição geral do termo como sendo "um líquido energeticamente pleno usado para alguma finalidade".
Ainda falando sobre palavras, devemos notar que há outro termo latino que guarda o mesmo sentido de ‘potio’, que é ‘medicamentum’. Desse ponto, podemos inferir que os caminhos da magia e os caminhos da ciência médica já estiveram juntos no passado. Uma vez que a arte da pociologia nos remete a tempos remotos, creio que seja imperioso fazermos uma busca histórica para tentarmos reunir os elementos que, até os dias de hoje, configuram o conjunto prático e teórico da elaboração da poção. Falemos então sobre a relação medicina/magia.
 Paracelso (Phillippus Aureolus
Theophrastus Bombastus von Hohenheim)
Nos dias atuais, os conceitos de ciência médica e de arte mágica podem parecer imiscíveis, mas, no passado, não parecia haver tal distanciamento. Um exemplo é o célebre doutor Paracelso, também conhecido por seus conhecimentos astrológicos e alquímicos e nos servirá de constante fonte de informação, e que viveu na primeira metade do século XVI. Ele classificava a medicina em cinco grupos distintos, que se diferenciavam por seus objetos de estudo: 1. Medicina Natural – é aquela que trata as enfermidades “como ensina a vida”, isto é, com pouco embasamento teórico e fazendo uso de alimentos e de ervas indicados pela cultura popular, rural, ligada à tradição oral. A medicina natural baseia-se na aplicação de forças contrárias (“cura-se o frio pelo calor, a umidade pela secação, a superabundância pelo jejum e pelo repouso e a inanição pelo aumento de comida”); 2. Medicina Específica – é aquela que procura encontrar um medicamento específico para tratar cada tipo de doença ou distúrbio. Desse tipo de medicina surge a alopatia; 3. Medicina Caracterológica – é aquela que cura pela força da palavra ou por “signos dotados de um estranho poder”. Trata-se da medicina da mente, da qual derivaram as ciências modernas da psiquiatria, neurologia a psicanálise; 4. Medicina dos Espíritos – é a medicina que apreende o espírito das ervas em infusões, pois acredita que a substância curadora de determinada erva é a mesma que tenha provocado a doença. Essa medicina se baseia na ideia de que semelhante cura semelhante e é a precursora da homeopatia moderna; 5. Medicina da Fé – é aquela que usa a fé como instrumento de cura e como “arma de luta e de vitória conta as doenças. Fé do doente em si mesmo, no médico, na disposição favorável dos deuses e na piedade de Jesus Cristo”. Dessa forma, percebemos que é bastante variado o leque que se desdobrava do conceito de medicina. Podemos observar que, dentre essas cinco categorias, algumas são mais técnicas, e outras parece serem completamente desprovidas de fundamentos teóricos. Mas todas elas são chamadas de ‘medicina’, não pela distinção científica, mas pela intenção de cura, ainda que Paracelso venha a discordar de alguns métodos citados.
Paracelso elaborou uma explicação para dar conta da origem dos males. Para ele, as doenças estavam associadas a diferentes entidades que agem sobre o corpo, são elas: os venenos (que parece se referir à intoxicação química e à contaminação microbiótica),  a entidade natural (isto é, todos os riscos que corremos na vida quotidiana), os espíritos, Deus (que pode enviar a doença a Seu bel-prazer) e a entidade astral (a influência dos astros sobre o corpo). Em relação a esta última, o doutor cita:
Tal afirmação parece afirmar que, quando a doença surge pela entidade astral, ela provém da oposição entre o comportamento astral e o comportamento individual. É da natureza dos astros que eles lancem sobre a Terra alguma tendência de comportamento durante um determinado período, dessa maneira, o homem que não está conectado à natureza do astro adoece. Paracelso vai além e declara que muito dos venenos têm origem na entidade astral, de maneira que a influência de determinado astro poderia contaminar o ar, a terra ou a água com arsênio.  
“[...] nossos corpos podem estar expostos ao bem e ao mal conforme o comportamento que nos ofereça a entidade astral. Quando o temperamento do homem, segundo seu sangue natural, seja oposto ao hábito astral, acontecerá a doença. Em caso contrário, não sofrerá nenhum inconveniente. [...]”
Portanto, reconhecer a influência astrológica na medicina de Paracelso é uma questão determinante para compreender as associações feitas por ele. Uma vez que os astros produzem efeitos sobre a Terra, é natural que eles produzam efeitos sobre o nosso corpo, dessa forma, pode-se supor uma relação direta entre os astros e os órgãos do corpo humano levando em conta as características comuns entre eles:
“O Sol é o coração do corpo, [pois aquele] atua sobre a Terra por si mesmo, assim o coração faz sobre o corpo. [...] Da mesma, forma são equivalentes a Lua e o cérebro, ainda que nesse caso as semelhanças e influências correspondam à esfera espiritual* [...]. O baço realiza seu movimento de uma maneira semelhante a Saturno [...]."
(*Talvez aqui, Paracelso esteja se referindo à característica astrológica lunar que diz respeito à imaginação, à subjetividade e à emotividade. O mesmo aconterá nas associações que seguem.)
“A bílis é tão independente em sua substância quanto Marte é em seu espírito.”
“Vênus, por exemplo, recebe da Grande Entidade a potência da concepção.”
“Mercúrio é o planeta relativo aos pulmões. Todos os dois são muito poderosos em seus respectivos firmamentos, mas conservam entre si uma grande independência.”
“Júpiter corresponde ao fígado com grande semelhança. E da mesma maneira que nada pode substituir no corpo quando falta o fígado, nenhuma tempestade pode se desencadear na presença de Júpiter.”
Formulado um mapa planetário do corpo humano, esse mapa servirá de guia para as formas de tratamento das moléstias que afligem o corpo. O conhecimento medicinal se dá, portanto, na correspondência entre a natureza da doença e a natureza do ingrediente que compõe o medicamento.



Bibliografia:

PARACELSO, Livro dos prólogos. In: A chave da alquimia. São Paulo: Editora Três, 1973.
 ____________ Livro das entidades. In: A chave da alquimia. São Paulo: Editora Três, 1973.
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