sexta-feira, 15 de abril de 2011

Parte 1 - Da medicina antiga: Paracelso

Esta é a primeira postagem do blog ‘Poções Mágicas – por Salix’. A primeira de uma série que discorrerá sobre o tema ‘poções mágicas’ em seu sentido mais amplo, passando por suas facetas mágica, alquímica e medicinal, expondo suas teorias iniciais e descobrindo as estruturas que existem por trás dessa arte. Este é um blog que crescerá aos poucos, mas com a segurança de que está sendo feita uma pesquisa verdadeira sobre o assunto. A intenção é a de que, no final desse caminho, o conjunto das informações aqui postadas possa fornecer uma fonte clara, confiável e abrangente.
Comecemos, pois.


A palavra ‘poção’ deriva do termo latino ‘potio’, que remete, por sua vez, ao ato de beber, embora, atualmente, quando falamos de poção, não estamos necessariamente nos referindo a um líquido potável. A atual literatura especializada tem usado o mesmo termo para abarcar as noções de óleos, essências, unguentos etc., desassociando a palavra ‘poção’ de sua origem etimológica. Essa é, portanto, uma questão puramente de nomenclatura e que não deve acarretar nenhum problema prático, uma vez que tomemos a definição geral do termo como sendo "um líquido energeticamente pleno usado para alguma finalidade".
Ainda falando sobre palavras, devemos notar que há outro termo latino que guarda o mesmo sentido de ‘potio’, que é ‘medicamentum’. Desse ponto, podemos inferir que os caminhos da magia e os caminhos da ciência médica já estiveram juntos no passado. Uma vez que a arte da pociologia nos remete a tempos remotos, creio que seja imperioso fazermos uma busca histórica para tentarmos reunir os elementos que, até os dias de hoje, configuram o conjunto prático e teórico da elaboração da poção. Falemos então sobre a relação medicina/magia.
 Paracelso (Phillippus Aureolus
Theophrastus Bombastus von Hohenheim)
Nos dias atuais, os conceitos de ciência médica e de arte mágica podem parecer imiscíveis, mas, no passado, não parecia haver tal distanciamento. Um exemplo é o célebre doutor Paracelso, também conhecido por seus conhecimentos astrológicos e alquímicos e nos servirá de constante fonte de informação, e que viveu na primeira metade do século XVI. Ele classificava a medicina em cinco grupos distintos, que se diferenciavam por seus objetos de estudo: 1. Medicina Natural – é aquela que trata as enfermidades “como ensina a vida”, isto é, com pouco embasamento teórico e fazendo uso de alimentos e de ervas indicados pela cultura popular, rural, ligada à tradição oral. A medicina natural baseia-se na aplicação de forças contrárias (“cura-se o frio pelo calor, a umidade pela secação, a superabundância pelo jejum e pelo repouso e a inanição pelo aumento de comida”); 2. Medicina Específica – é aquela que procura encontrar um medicamento específico para tratar cada tipo de doença ou distúrbio. Desse tipo de medicina surge a alopatia; 3. Medicina Caracterológica – é aquela que cura pela força da palavra ou por “signos dotados de um estranho poder”. Trata-se da medicina da mente, da qual derivaram as ciências modernas da psiquiatria, neurologia a psicanálise; 4. Medicina dos Espíritos – é a medicina que apreende o espírito das ervas em infusões, pois acredita que a substância curadora de determinada erva é a mesma que tenha provocado a doença. Essa medicina se baseia na ideia de que semelhante cura semelhante e é a precursora da homeopatia moderna; 5. Medicina da Fé – é aquela que usa a fé como instrumento de cura e como “arma de luta e de vitória conta as doenças. Fé do doente em si mesmo, no médico, na disposição favorável dos deuses e na piedade de Jesus Cristo”. Dessa forma, percebemos que é bastante variado o leque que se desdobrava do conceito de medicina. Podemos observar que, dentre essas cinco categorias, algumas são mais técnicas, e outras parece serem completamente desprovidas de fundamentos teóricos. Mas todas elas são chamadas de ‘medicina’, não pela distinção científica, mas pela intenção de cura, ainda que Paracelso venha a discordar de alguns métodos citados.
Paracelso elaborou uma explicação para dar conta da origem dos males. Para ele, as doenças estavam associadas a diferentes entidades que agem sobre o corpo, são elas: os venenos (que parece se referir à intoxicação química e à contaminação microbiótica),  a entidade natural (isto é, todos os riscos que corremos na vida quotidiana), os espíritos, Deus (que pode enviar a doença a Seu bel-prazer) e a entidade astral (a influência dos astros sobre o corpo). Em relação a esta última, o doutor cita:
Tal afirmação parece afirmar que, quando a doença surge pela entidade astral, ela provém da oposição entre o comportamento astral e o comportamento individual. É da natureza dos astros que eles lancem sobre a Terra alguma tendência de comportamento durante um determinado período, dessa maneira, o homem que não está conectado à natureza do astro adoece. Paracelso vai além e declara que muito dos venenos têm origem na entidade astral, de maneira que a influência de determinado astro poderia contaminar o ar, a terra ou a água com arsênio.  
“[...] nossos corpos podem estar expostos ao bem e ao mal conforme o comportamento que nos ofereça a entidade astral. Quando o temperamento do homem, segundo seu sangue natural, seja oposto ao hábito astral, acontecerá a doença. Em caso contrário, não sofrerá nenhum inconveniente. [...]”
Portanto, reconhecer a influência astrológica na medicina de Paracelso é uma questão determinante para compreender as associações feitas por ele. Uma vez que os astros produzem efeitos sobre a Terra, é natural que eles produzam efeitos sobre o nosso corpo, dessa forma, pode-se supor uma relação direta entre os astros e os órgãos do corpo humano levando em conta as características comuns entre eles:
“O Sol é o coração do corpo, [pois aquele] atua sobre a Terra por si mesmo, assim o coração faz sobre o corpo. [...] Da mesma, forma são equivalentes a Lua e o cérebro, ainda que nesse caso as semelhanças e influências correspondam à esfera espiritual* [...]. O baço realiza seu movimento de uma maneira semelhante a Saturno [...]."
(*Talvez aqui, Paracelso esteja se referindo à característica astrológica lunar que diz respeito à imaginação, à subjetividade e à emotividade. O mesmo aconterá nas associações que seguem.)
“A bílis é tão independente em sua substância quanto Marte é em seu espírito.”
“Vênus, por exemplo, recebe da Grande Entidade a potência da concepção.”
“Mercúrio é o planeta relativo aos pulmões. Todos os dois são muito poderosos em seus respectivos firmamentos, mas conservam entre si uma grande independência.”
“Júpiter corresponde ao fígado com grande semelhança. E da mesma maneira que nada pode substituir no corpo quando falta o fígado, nenhuma tempestade pode se desencadear na presença de Júpiter.”
Formulado um mapa planetário do corpo humano, esse mapa servirá de guia para as formas de tratamento das moléstias que afligem o corpo. O conhecimento medicinal se dá, portanto, na correspondência entre a natureza da doença e a natureza do ingrediente que compõe o medicamento.



Bibliografia:

PARACELSO, Livro dos prólogos. In: A chave da alquimia. São Paulo: Editora Três, 1973.
 ____________ Livro das entidades. In: A chave da alquimia. São Paulo: Editora Três, 1973.

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